A República Esquecida: Como a Corrida da Borracha Criou um Estado Independente no Coração da Amazônia há 125 Anos
Há 125 anos, um episódio curioso marcou a história da Amazônia: a proclamação da República do Acre, um território boliviano majoritariamente habitado por seringueiros brasileiros, por um aventureiro espanhol.
Esse ato, sem apoio do governo brasileiro, mas com a conivência do Estado do Amazonas, resultou na criação de um território independente que nunca foi reconhecido pela comunidade internacional. Durando apenas quatro anos, a República do Acre teve três proclamações, cinco presidentes, e terminou de forma desfavorável para a Bolívia, com o Acre se tornando parte oficial do Brasil.
Luis Gálvez e a Proclamação da República
A figura central dessa história é o espanhol Luis Gálvez Rodríguez de Arias (1864-1935), graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Sevilha, que trabalhou como diplomata em Roma e Buenos Aires. Em 1897, Gálvez partiu em busca do Eldorado na Amazônia, sem sucesso, e acabou se estabelecendo em Belém do Pará e depois em Manaus, onde atuou como jornalista.
O contexto da época era o Ciclo da Borracha, quando a demanda internacional por látex fez com que seringueiros brasileiros ultrapassassem as fronteiras do país para explorar terras bolivianas. A ausência de controle e fiscalização dessas fronteiras incentivou a invasão dessas terras por extrativistas brasileiros.
Gálvez, preocupado com um acordo de exportação de borracha entre a Bolívia e um grupo norte-americano, levou o assunto ao governador do Amazonas, Ramalho Júnior, que decidiu apoiar Gálvez. Com recursos financeiros, armas e um pequeno exército de mercenários, Gálvez proclamou a independência do Acre em 14 de julho de 1899, em Puerto Alonso, rebatizada de Porto Acre.
A Breve República
Assumindo o título de “imperador do Acre”, Gálvez organizou um governo com bandeira, exército, corpo de bombeiros, escolas e hospitais. Ele esperava que a comunidade internacional reconhecesse o novo Estado, mas isso não aconteceu.
A república teve um breve período de existência. Em março de 1900, Gálvez se rendeu aos militares brasileiros e foi exilado para a Europa.
Seguiram-se outras tentativas de proclamação de república, como a Expedição dos Poetas em 1900 e a Revolução Acriana, liderada por Plácido de Castro em 1902, que culminou na terceira República do Acre.
O Fim da República e a Anexação ao Brasil
Esses movimentos de independência foram motivados por interesses econômicos dos seringueiros e seringalistas, que temiam a perda de lucrativas áreas de extração de látex. No entanto, sem o apoio formal do governo brasileiro ou reconhecimento internacional, a República do Acre estava fadada ao fracasso.
A situação foi resolvida pelo Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903. O Brasil pagou 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia e comprometeu-se a construir a ferrovia Madeira-Mamoré, anexando o Acre definitivamente ao território brasileiro.
Legado e Consequências
O episódio da República do Acre deixou marcas na região. Ruínas da ferrovia Madeira-Mamoré e o trauma das mortes de trabalhadores na construção da ferrovia são lembranças desse período. A identidade acriana, ainda em formação, reflete a mistura de influências e a história de disputas territoriais.
Este capítulo da história amazônica é um exemplo fascinante de como interesses econômicos e políticos moldaram as fronteiras e a identidade de uma região.
A República do Acre pode ter sido esquecida, mas sua história continua a ser um testemunho das complexas dinâmicas da Amazônia no início do século 20.
Sena Madureira, no Acre, início do século 20
Crédito: Arquivo Nacional
Legenda da foto: Este era o município de Sena Madureira, no Acre, no início do século 20
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